quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

“Duas aulas de história da arte - Da pré-história aos nossos dias” - parte 1

A Arte é uma manifestação humana, cujos processos criativos têm evoluído ao longo dos milénios.

Começou por ser uma actividade, desde logo, com uma componente de originalidade e criatividade, que nas suas primitivas manifestações (antes da invenção da escrita) aparenta ligações ao sobrenatural e à magia, de acordo com os estudiosos da matéria.

Não teve inicialmente objectivos expressivos e evoluiu, à medida que o homem se foi consolidando como espécie criativa, para uma forma registo de acontecimentos e hábitos do dia-a-dia, ligados sobretudo à sobrevivência (chefes tribais, imagens míticas e simbólicas, a caça, etc) e aos mistérios da vida (a morte, a própria vida, fenómenos das natureza, os astros, as estrelas, o sol e a lua, os deuses etc.).

O simbolismo e a representação estiveram desde os primeiros tempos ligados às manifestações artísticas mais primitivas do homem, fossem em desenhos, pequenas esculturas ou gravuras, inscrições em materiais cerâmicos, placas de pedra gravadas, chifres de animais etc. Eventuais outras criações em madeira, pele, ou outros materiais mais perecíveis, desapareceram com os anos.

Depois da invenção da escrita e de meios de registo melhorados (tintas, papel, peles, madeira etc) evoluíram para a representação de questões ligadas à sociedade, mas sempre ligados aos hábitos do dia-a-dia, às tradições e à representação do poder ou de temas religiosos (Deuses, Santos, Sacerdotes, Faraós, Imperadores, Reis, Príncipes, Presidentes, Ditadores etc…)

Estas formas expressivas tinham um valor representativo que se sobrepunha ao valor artístico. O pintor de uma corte, era como que um fotógrafo oficial, assim como os cronistas eram quem registava por escrito os acontecimentos mais importantes de um determinado rei, senhor do poder político, militar ou religioso.
A Arte era ainda vista como uma profissão entre outras, que se aprendia numa escola. Mais do que uma vocação, ou uma inspiração, era trabalho. Um artista era um artífice entre os outros. Nesta altura não se compravam pinturas e esculturas para decorar ou para pendurar na parede. Nem tão pouco tinham como hoje valor artístico.

Este estado da arte, durou até aos finais do sec XIX inícios do sec XX, quando se dá uma revolução no mundo artístico, em que se abandonam as influências clássicas e se inicia o movimento Moderno, que quer abandonar os ideais e as regras clássicas (nesta altura existiam as Belas Artes e as Artes Menores), e avançar para uma arte como forma de expressão, experimental, explorando novos rumos e novas tendências criativas.

No entanto, e no inicio desde movimento moderno, a arte ainda é vista como um oficio. O inicio do Movimento moderno tem escolas, como a Bahaus, em que se abandona o estilo clássico de composição, mas se mantém o mesmo tipo de formação, feito a partir da repetição dos modelos do mestre.
“A Pintura e a Escultura são os únicos meios de comunicação das antigas formas de arte. As obras nascem do segredo dos deuses: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce»; É uma arte só para os entendidos. Em volta do «Génio Artístico» circulavam outros génios menores, que absorviam as formas puras e o estilo do mestre.”
A arte passou, já no sec XX, a ser uma actividade expressiva, de autor. A arte é agora uma forma de expressão individual, ou colectiva, uma actividade criativa, original, resultado do experimentalismo compositivo. O artista já não é um artífice mas um intelectual, de preferência boémio, pobre, experimental, desprezado socialmente, muito à frente do seu tempo. Porém, a arte ainda é vista mais como resultado da inspiração do que fruto de um trabalho de pesquisa.

O exemplo máximo deste tipo de artista, que só é importante muito depois de morrer, é Van Gogh, que nunca conseguiu ter sucesso em vida. Trocava telas por tintas e por alimentos, com pessoas que não apreciavam nem davam valor ao seu trabalho, e que apenas aceitavam a troca por pena da figura. Acabou por se suicidar na maior das infelicidades, pobre, quase louco, nunca compreendido. Hoje é recordista de valores conseguidos com a venda dos seus quadros, por centenas de milhares de contos - Milhões de euros.

A arte é actualmente mais do que uma forma de expressão. Para além das formas clássicas: pintura, escultura, desenho, arquitectura e teatro, temos hoje como forma de arte a “instalação” a “performance”, mas também a “literatura” o “cinema”, o “vídeo”, a “banda desenhada” a “fotografia digital” e as novas formas de divulgação na internet, como o “you tube”, que são um salto enorme na evolução dos meios de registo e de divulgação.
A Arte é hoje, mais do que a produção de objectos estéticos, um poderoso meio de intervenção política e social, uma forma de protesto e de irreverência.

Um exemplo extremo desta forma de provocação é a obra “Merda de artista enlatada” (1961), que é um trabalho do artista italiano Piero Manzoni (Soncino, 13 de Julho de 1933 - Milão, 6 de Fevereiro de 1963), que consiste numa série de 90 latas contendo as fezes do próprio artista. Foi um artista italiano célebre pelas suas obras conceptuais. As latas chegaram a ser vendidas recentemente por valores nunca imaginados.
Outro exemplo desta forma de transformar objectos normais e insólitos em obras de arte, é o caso da “fonte” descontextualizada de Marcel Duchamp, das latas de sopa do Andy Warhol e do cão amarrado, do artista Costa-riquenho Habacuc.
Mas a visão do historiador de arte, ou daqueles quem se interessam pelas questões teóricas da arte, é que a arte é um espelho da sociedade do seu tempo, mesmo que não tenha sido feita com esse objectivo. O historiador de arte, distanciado, pode fazer agora uma análise social, económica, de usos e de costumes, política e mesmo antropológica a partir das formas artísticas (arquitectura, representação etc.) de determinada época ou período históricos.

Mas há ainda a ter em conta o factor “técnica”, que também tem valor artístico. A representatividade, expressividade e as formas de representar, simples, simplificadas, estilizadas, de certas estátuas e modelos pré-históricos, andinos ou gregos, são autênticas maravilhas de técnica representativa, por vezes confundíveis com sistemas de síntese, de redução e de simplificação ultra modernos. Os “artistas” destas épocas tinham verdadeiro valor artístico, e técnica representativa e presentativa, mesmo sem terem estudado e sem o saberem. Desconhece-se qual seria o estatuto social destes “artistas”, ou mesmo se eram reconhecidos enquanto tal.

Actualmente, a arte tem uma nova mais-valia. É também um activo financeiro, um bem de consumo e um bem de investimento. Há mercado de arte, feiras de arte, como havia de automóveis e como há também de cinema, de música, de literatura. A arte, não deixa por isso de ser uma forma de expressão e de espelho social. Mais do que nunca o é pela diversidade e pela constante pesquisa e novidade.

E há também nos nossos dias uma nova forma de ver a arte. A arte como profissão. Antes, no tempo dos mestres, dos aprendizes e das escolas, também a arte era uma profissão. Nos nossos dias, há de novo escolas de arte, claro que com objectivos distintos. Os artistas viveram em tempos de mecenas, sobretudo no renascimento, que financiavam as suas vidas, nem sempre opulentas. Hoje, já há de novo algumas formas modernas de mecenato. A Arte e o processo artístico está em constante evolução, mas tem mantido sempre um valor comum. A vontade do homem de representar à sua maneira, com o seu cunho pessoal, e com o seu sentimento, o quotidiano do seu tempo, de forma original e pessoal (das cenas de caça, à beleza feminina e masculina, ao amor pela natureza e ao mistérios da vida e da morte que são temas transversais a todos os tempos).

Final da primeira parte Todas as manifestações artísticas das épocas primitivas são manifestamente viradas para o exotérico e para os fenómenos naturais ligados aos mistérios da vida e da morte, dos astros, e da glorificação do poder ou dos seus representantes (faraós, chefes tribais, guerreiros, conquistadores etc). É um conceito de arte muito diferente do dos nossos dias em que a arte é um bem transaccionável, que se pode adquirir com o fim estético único de ser exposto e admirado, numa parede ou numa exposição. A arte é um bem de consumo, sofisticado é certo, mas valendo muitas vezes por si próprio e não pelo que possa representar. Mais ainda do que um bem de consumo, é actualmente um produto financeiro ou um bem durável como os metais e as pedras preciosas.

No princípio, a arte era um fenómeno muito diferente, e tinha muito das vezes como objectivo único o da glorificação e da preservação da memória dos seus heróis, chefes e personagens importantes, pelos tempos fora.

Muitos dos objectos que neste momento estamos a descrever como Arte, na altura em que foram executados não eram como tal classificados, nem tinham o objectivo de ser uma forma de comunicação do artista para o observador. Eram apenas objectos feitos por artífices, com uma finalidade prática e objectiva (representar, glorificar, adorar, manifestar respeito).

Mestre Arquitecto Jorge Cruz

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